A luz da Palavra

Palavra de Deus 2

27º DOMINGO COMUM

13 de setembro de 2024

Leituras:  Sb 7,7-11 / Hb 4,12-13 / Mc 10,17-30

A sabedoria da escolha pelo reino de Deus

Somos hoje convidados a refletir sobre as escolhas que fazemos. E para isso é preciso ter “sabedoria”. Salomão, quando ainda era jovem e inexperiente, pediu a Deus um coração cheio de entendimento para governar o povo, para discernir entre o bem e o mal e Deus, correspondendo a este pedido, deu-lhe um coração sábio e perspicaz.

Para o rei, a “sabedoria” tornou-se o valor mais apreciado, superior ao poder, à riqueza, à saúde, à beleza, a todos os bens terrenos. Ela é a “luz” que indica caminhos e que permite discernir as opções corretas a tomar. Optando pela “sabedoria”, Salomão acabou por encontrar “todos os bens” e “riquezas inumeráveis”, pois a “sabedoria” está na base de todos eles. É ela que lhe permitiu gozar os bens terrenos com maturidade e equilíbrio, sem obsessão e sem cobiça, colocando-os no seu devido lugar e não deixando que fossem eles a conduzir a sua vida e a ditar as suas opções.

Um dos grandes dramas do homem do século XXI é prescindir de Deus e passar com total indiferença ao lado das suas propostas. Frequentemente construímos esquemas de egoísmo, violência, exploração e ódio, que enfeiam o mundo e magoam aqueles que caminham ao nosso lado. A 1ª Leitura nos convida a ter cuidado com a forma como hierarquizamos os valores sobre os quais construímos a nossa vida. Há valores efêmeros e passageiros (o dinheiro, o poder, o êxito, a moda, o reconhecimento social) que não podem ser absolutizados. Eles não são maus, por si próprios; não podemos é deixar que eles tomem conta da nossa vida, condicionem nossas opções, nos escravizem de tal modo que nos façam esquecer outros valores mais importantes e duradouros. Não se trata de renunciarmos definitivamente às coisas belas que o mundo nos pode oferecer e que nos dão segurança e estabilidade; trata-se priorizarmos aquilo que é realmente importante e nos assegura, não momentos efêmeros, mas momentos eternos de felicidade e de vida plena.

No Evangelho, um homem ajoelha-se diante de Jesus perguntando-Lhe o que tem de fazer para “alcançar a vida eterna” – inquietação de todos os que creem Sua postura e atitude de respeito mostram que é alguém sincero e bem-intencionado, realmente preocupado com essa questão vital. Ele não é um hipócrita, mas um crente religiosamente empenhado e sincero. Jesus reconhece a sinceridade da sua busca; por isso, olha para ele “com amor” e o convida a dar um passo a mais nesse caminho para a vida eterna: integrar a comunidade do Reino. E aponta três requisitos fundamentais: não centrar a própria vida nos bens passageiros deste mundo; assumir a partilha e a solidariedade para com os irmãos mais pobres; seguir o próprio Jesus no seu caminho de amor e de entrega. Apesar de toda a sua boa vontade, o homem não está preparado para a exigência deste caminho e afasta-se triste. Sua incapacidade para assumir a lógica do dom, da partilha, do amor, da entrega, tornaram-no inapto para o Reino, que é incompatível com o egoísmo, com o fechamento em si próprio, com a lógica do “ter”, com a obsessão pelos bens deste mundo.

Não é só uma dificuldade, mas uma verdadeira impossibilidade (“é mais fácil passar um camelo pelo fundo de uma agulha…”): os bens do mundo impõem ao homem uma lógica de egoísmo, fechamento e escravidão que são incompatíveis com a adesão plena ao Reino e aos seus valores. Querer integrar a comunidade do Reino é estar sempre numa atitude radical de partilha, solidariedade e doação. A renúncia do cristão a determinados valores (muitas vezes legítimos e importantes) é em vista de um bem maior. Jesus confirma a validade desta opção e assegura aos discípulos que o caminho escolhido por eles não é um caminho de perda, de solidão, de morte, mas é um caminho de ganho, de comunhão, de vida cheia e feliz nesta terra e, no mundo futuro, a vida eterna.



CAMPANHA DA FRATERNIDADE 2024

O tema da CF 2024, “A Fraternidade e a Amizade Social”, tem por lema: “Vós sois todos irmãos e irmãs” (MT 23,8). Considerando as situações existenciais, sociais, políticas, econômicas e estruturais do Brasil, com suas regiões e multifaces eclesiais tão diversas, com marcas de polarizações religiosas, políticas, geográficas e culturais, a Igreja, como Mãe e Mestra, vem trazer uma proposta, à luz da “Alegria do Evangelho”, de conversão ao Outro, como imagem amada e querida pelo Criador, a fim de que a “Fraternidade Universal” seja sonhada, desejada, buscada e testemunhada por todos os homens e mulheres de boa vontade.

O objetivo da Campanha é “despertar para o valor e a beleza da fraternidade humana, promovendo e fortalecendo os vínculos da amizade social, para que, em Jesus Cristo, a paz seja realidade entre todas as pessoas e povos”. A partir desta perspectiva geral, são propostas várias finalidades específicas, com o olhar voltado aos desafios reais que nos interpelam enquanto ‘seres sociais’, chamados à amizade social. Há uma proposta de civilização, que gere a cultura da paz entre os povos, nas relações humanas e no mundo, já que, existem ‘guerras em pedaços’ em tantos lugares e periferias geográficas e existenciais. A Campanha deste ano traz consigo “o convite a um amor que ultrapassa as barreiras da geografia e do espaço, nos interpela à comunhão e solidariedade, mostrando que a conversão passa pela experiência da humildade, da aceitação do outro e da alegria do encontro que vem da ressurreição. A proposta da fraternidade para o cristianismo tem o amor Ágape na sua base, cuja fonte é o amor de Deus. A temática abordada é uma proposta de humanismo solidário e de realização da existência humana. Não é o ódio que leva o ser humano à felicidade; mas é no amor que a sua vida ganha sentido e plenitude. Num mundo marcado por tantos sinais de violências, simbólicas, físicas e digitais, a chamada de atenção que a Igreja promove é uma ação necessária, que está em consonância com a sua missão de ‘perita em humanidade’ (Paulo VI).

A fraternidade e a amizade social, neste momento crítico da história, em que há um pipocar de conflitos mundiais, como frequentemente denuncia o Papa Francisco, passa a ser um ‘projeto civilizatório’. A humanidade padece de paz. Em muitos recantos do globo há nações que vivem em estado de beligerância. O lucro com a venda de armas é uma questão ética, que nos diz muito sobre a preponderância do poder econômico sobre a dignidade da pessoa humana. Essa, por sinal, desde os ultrajes da segunda guerra mundial, tem sido cada vez mais violentada, tendo como objetos os seres humanos em situação de vulnerabilidade. Cabe destacar o fomento da cultura do descarte, que coloca os idosos e embriões concebidos em situação de cancelamento e abandono. O patrocínio dos países sempre mais ricos à custa da promoção da colonização ideológica e política de outras nações é algo que clama aos céus.

A Doutrina Social da Igreja, com seus princípios basilares, dentre eles o da subsidiariedade, conclama para que haja, ao invés do usufruto parasitário, o apoio das potências econômicas e militares, com logística e educação, aos países mais pobres. Sempre atenta aos sinais dos tempos, com os desafios culturais e estruturais para a consecução da paz, ela atualiza a sua proposta de promoção da amizade social. Com esse intento, ela torna audível que é fundamental que a política contemporânea retome essa base de sustentação das relações humanas e entre os povos. Essa é a “melhor política”. Assim como a igualdade e a solidariedade, que nas construções das narrativas liberais foram mais desenvolvidas, a temática da fraternidade também precisa ser levada a bom termo e consecução.

No cristianismo, o tema da fraternidade entre todos os que são criados à imagem e semelhança de Deus é uma norma fundante. Quem é de Deus, ama o semelhante. Os ensinamentos de como ‘ser cristão’ são sintetizados evangelicamente por Jesus Cristo no seu “Sermão da Montanha“. Matar em nome da religião, ou pior, promover a guerra e a destruição do Outro em nome de Deus é contraditório com a proposta da fé cristã. No Brasil, a manipulação política e ideológica do imperativo religioso tem sido constantemente assumida por lideranças que usam a boa fé de milhões de cidadãos para o acirramento do ódio e o incitamento do caos psicológico e social.

A Campanha da Fraternidade é uma bússola para que muitas luzes sejam postas nos caminhos de todas as camadas sociais do nosso país. Com sua capilaridade, a Igreja se propõe a ser missionária da justiça e da paz neste contexto de polarizações e desmandos relacionais.